Bate-papo

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Os meandros da usina hidrelétrica no Rio Ribeira de Iguape

O significado dos meandros do Rio Ribeira de Iguape não está restrito apenas ao ziguezaque das suas volumosas águas, mas, também, expressa o enredo das contradições materializadas no espaço. Este é o maior e mais importante rio paulista que flui diretamente para o oceano, espraiando-se ao longo de aproximadamente 470 km desde as cercanias da Região Metropolitana de Curitiba até o complexo estuarino-lagunar de Cananéia-Iguape, percorrendo as áreas mais conservadas que restam no estado de São Paulo.

No interior deste resquício de vegetação conservada sobrevivem dezenas de comunidades tradicionais - quilombolas, indígenas e caiçaras - que nas últimas décadas assistiram o seu lugar transformar-se em parque e, junto com ele, viram surgir uma coleção de regras que, alega o Estado, visa manter os sistemas naturais protegidos. No fim das contas, as comunidades tradicionais pagam o preço da devastação desenfreada assistida no país e, sobretudo, em São Paulo impulsionada pela geração de riqueza que beneficia somente alguns poucos abastados. Os que antes viviam da floresta agora são proibidos de caçar, de coletar alimento e de plantar a sua pequena roça. A política do Estado brasileiro condena aqueles que souberam viver em harmonia com a natureza e beneficia os sujeitos sociais hegemônicos que desfrutam à beira-mar a riqueza conquistada com o saque dos recursos naturais.

Não é novidade, pois, a lógica que está por trás da construção de uma usina hidrelétrica no Rio Ribeira de Iguape pelo grupo Votorantim. Atendendo a intencionalidade de beneficiar alumínio privado às custas de recursos naturais públicos, o discurso que valida a obra é um velho conhecido daqueles que viram o bolo crescer sem receber sequer uma migalha. Com as suas casas sem luz, na escuridão imposta pelas leis ambientais que não permitem a instalação da rede de energia em unidades de conservação, as comunidades tradicionais mais uma vez são vítimas da lógica perversa do capital privado. Os desastrosos impactos ambientais gerados por uma obra que atende aos interesses de poucos irão condenar o único rio ainda conservado do estado e, junto com ele, uma série de comunidades ribeirinhas a jusante da usina.

Neste cenário, merece destaque o papel do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA - em prol do setor privado. Há algumas semanas, o IBAMA proibiu a visitação ao Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira - PETAR -, vizinho ao Rio Ribeira de Iguape, sob o argumento da falta de um Plano de Manejo e dos severos impactos ambientais causados nas cavernas do lugar pela visitação pública, afetando, com isso, os habitantes das comunidades tradicionais que trabalham como monitores. Estes problemas são conhecidos há algum tempo, inclusive são analisados em diversos trabalhos científicos. Além disso, as práticas de visitação pública no PETAR não diferem daquelas que ocorrem em uma série de outras unidades de conservação em todo o Brasil, fato que valida a mesma ação do IBAMA também em outros parques, o que não ocorre. No entanto, dias após a proibição em tela, o mesmo IBAMA mostra-se favorável a construção da usina hidrelétrica no Rio Ribeira de Iguape pelo Grupo Votorantim, atitude, no mínimo, controversa.

Houve quem tentasse conferir a qualidade de Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental ao Rio Ribeira de Iguape com a esperança de impedir intervenções desastrosas como esta da usina. Contudo, após o tema ser aprovado pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, o governador José Serra vetou o projeto de lei.

A quem interessa a conservação dos recursos naturais? Seria uma pergunta óbvia aos desatentos. É comum ouvir dizer que a degradação ambiental é consequência, muitas vezes, da falta de planejamento. Pois é o planejamento o principal instrumento de intervenção do capital privado, mesmo onde ele parece inexistir. A ideologia que devastou o interior do estado de São Paulo para plantar cana-de-açúcar é a mesma que hoje apóia ações de "responsabilidade" social e ambiental e, amanhã, será a mesma que não hesitará em colocar tudo abaixo para gerar riqueza.