Bate-papo

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O viaduto está em manutenção


Aos leitores que ainda insistem em visitar esse blog jogado às traças, um aviso: o "um viaduto no lugar do coreto" está passando por mudanças, desde o layout (você já deve ter notado a diferença, não?) até o conteúdo. Se antes eu estava mais atento às mudanças ocorridas nos lugares, de forma geral, agora pretendo me dedicar a um lugar em especial, bem conhecido de todos e que me fascina: a cidade. Afinal de contas, pensar a cidade é um exercício que remete à reflexão sobre nós mesmos, uma vez que, todos os dias, construímos essa cidade.
Os textos antigos, muitos deles condizentes com a nova proposta do blog, continuarão por aqui, no mesmo endereço. Em breve, voltarei para mudar uma ou outra coisa e, claro, postar novidades.
Até mais.

cegueir@ digit@l

Registrar é preciso, vivenciar não é preciso. Essa é a idéia que parece dominar o cotidiano das pessoas no atual momento da informação. Assim, os nossos olhos parecem obsoletos frente às telas digitais das máquinas fotográficas e dos celulares disseminados em nosso cotidiano.
Um filme de Adriano Rangel e Jackline Almeida.
Selecionado para exibição no site do Festival do Minuto - Tema Livre.




Mudança


Foto: Sapo

Mudar não se trata simplesmente de deixar lugares para trás, mas, ao contrário, de carregar na bagagem os lugares por onde já estivemos. Quando digo lugar, não estou me referindo apenas aos objetos que dele fazem parte - casas, ruas, montanhas. Mais do que isso tudo, o lugar é a expressão da vida, das nossas ações, dos nossos sentimentos e idéias acerca do mundo e de nós mesmos. Os objetos são as formas visíveis das nossas ações.
Um turista carrega consigo o seu lugar de origem. Exemplo disso são as casas de veraneio, com muros altos, alarmes de segurança, cercas elétricas, reproduzindo o modo de vida das grandes cidades em lugares antes pacatos. Há um jeito de se fazer os lugares que é inerente às nossas experiências territoriais.
O lugar não é tão e só o palco da vida. É, em contrapartida, a vida que produz o lugar. A cada instante, numa despretensiosa caminhada pelo quarteirão, estamos fazendo o lugar. E mudar de lugar implica em mudar nós mesmos e, além disso, transformar também o lugar de destino.

A cartografia de uma epidemia

O mapa temático acima evidencia a recente disseminação global do novo vírus H1N1, causador da gripe suína. Em poucas semanas, a doença alastrou-se da América do Norte, de onde surgiu, para as Américas Central e do Sul, Europa e Ásia. Há casos suspeitos em todos os continentes do globo, indicados pelo ícone com o sinal de interrogação. Os ícones pretos representam os locais onde a doença matou pessoas e os vermelhos os países com casos confirmados. Até hoje, mais de mil pessoas em 20 países já contraíram a doença, sendo que 27 delas perderam a vida, 26 só no México, onde foi descoberto o primeiro caso desse novo tipo de gripe.
A propagação mundial da doença coincide com a frequência das linhas aéreas que conectam o México a outros países, haja vista a grande quantidade de casos confirmados na Europa, destino de grande parte dos vôos internacionais oriundos da capital mexicana. Além de mercadorias, a globalização facilita a disseminação de enfermidades endêmicas, outrora confinadas a territórios restritos.
O mapa realça o vazio no continente africano, inclusive na África setentrional, mais próxima dos países europeus contaminados pela gripe suína. É curioso notar que, salvo o entorno do México, a doença avançou principalmente sobre os países mais ricos, justamente aqueles que concentram a maior parcela de fluxos do planeta.
Por outro lado, a carência de condições adequadas de saúde pública nos países africanos pode ocultar o avanço da epidemia no continente, uma vez que, ao contrário dos que moram em países ricos, os habitantes dos países empobrecidos, muitas vezes, morrem sem qualquer assistência médica, vitimados por causas não apuradas.
É preciso saber enxergar os lugares "fora do mapa", pois a cartografia se faz, sobretudo, por meio da informação; e, como reza o ditado, informação é poder.

Não há nada tão invisível quanto o monumento


Inauguração do Monumento a Ramos de Azevedo, em 1934, em frente à Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Foi Andreas Huyssen quem citou a frase cunhada por Musil - que intitula este "post" - para expressar a relação entre monumento e esquecimento. Segundo o autor, "a permanência prometida pela pedra do monumento está sempre erguida sobre a areia movediça". O Monumento a Ramos de Azevedo, de 1934, é um bom exemplo de como o significado e o propósito originais de uma obra podem ser erodidos pela passagem do tempo.
O conjunto escultórico de 13 metros de comprimento por 15 metros de altura foi instalado em frente a um dos mais importantes edifícios projetados por Ramos de Azevedo, a Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 1934, em homenagem póstuma. Contudo, no final da década de 1960, o monumento cedeu lugar a uma larga avenida para os automóveis e, sob críticas, foi transferido para a cidade universitária, onde encontra-se até hoje, próximo à Escola Politécnica.
A re-significação do patrimônio histórico e cultural e os seus desdobramentos na produção da memória social estabelecem uma forte relação com os conflitos de interesses presentes no espaço público. Em outras palavras, na atual concepção de espaço público, um monumento não pode ficar no meio do caminho dos carros. Assim, confinam-se pessoas em condomínios e monumentos em museus (ou em universidades, tanto faz) e celebra-se a cidade construída para a produção facilitada de riqueza.


Monumento a Ramos de Azevedo confinado no interior dos muros da Universidade de São Paulo.

É preciso viver o lugar

Vivenciar não é preciso; registrar é preciso. Essa é a idéia que parece dominar o cotidiano das pessoas no atual momento da informação. Assim, os nossos olhos parecem obsoletos frente às telas digitais das máquinas fotográficas e dos celulares disseminados por todas as classes sociais. O mesmo ocorre com a nossa memória, cada vez mais em desuso e substituída por cartões de memória digitais. Da restrita circulação dos ultrapassados álbuns de fotografia, passamos rapidamente para a proliferação de informações produzidas de forma cada vez mais dispersa, de modo que as nossas experiências podem ser compartilhadas com mais pessoas, sejam elas conhecidas ou completamente estranhas. Certamente, você já teve a vista atrapalhada por alguém tentando registrar algo que você insiste em ver apenas com os olhos. Não se trata aqui de condenar os recursos visuais, longe disso. Ao contrário, pretende-se conferir importância ao olhar, como forma também de refletir sobre o registro de uma determinada experiência, de brincar com as imagens junto com as nossas sensações. Se o lugar e a experiência são banalizados, banal será também a imagem. Na primeira vez que visito um lugar, evito levar a máquina fotográfica. No atual momento em que todos somos constantemente vigiados, o fato de não registrar algum acontecimento que, há pouco tempo atrás, bastaria a oralidade para contar, é um ato tido como lamentável. De amantes do mundo a cinegrafistas amadores, o lugar vai perdendo o sentido de ser.

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Mais um tempo de ausência e mais uma promessa de voltar por aqui semanalmente, assim como eu gostaria de ter feito.

Tempo


Foram 4 meses sem escrever no blog. Eu explico: tive que empenhar o meu tempo na redação da monografia e em outros projetos. Faltou tempo, assim como acontece com um monte de coisas legais que a gente deixa de fazer. De repente, estamos mergulhados na rotina e o tempo escorre entre os dedos.
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Há dois dias, Márcia, como de costume, passava pela Avenida Paulista com a sua bicicleta rumo ao trabalho. Em janeiro, mês de férias para alguns, as ruas de São Paulo estão um pouco menos movimentadas, o que não significa que o trânsito seja bom. Pára-se menos nos engarrafamentos, corre-se mais contra o tempo. Diferente de Márcia, fui ao trabalho de ônibus. No caminho para a Avenida Paulista, motorista e cobrador conversavam entre si. Ambos estavam preocupados com o horário de chegada no ponto final. Então, escutei o cobrador recomendar ao motorista, literalmente: "na volta, a gente chuta o pau para chegar mais cedo". Horas depois, já no trabalho, li uma reportagem na internet sobre um acidente entre um ônibus e uma ciclista. Márcia estava pedalando próximo ao meio fio, quando um motorista apressado resolveu ultrapassa-la violentamente. A manobra mal feita e ilegal fez com que o guidão da bicicleta fosse tocado pelo ônibus, derrubando Márcia que, sem ter o que fazer, teve a sua cabeça esmagada pelas rodas do veículo. Márcia Regina de Andrade Prado, 40 anos, não é a primeira e, lamentavelmente, não será a última a ser assassinada pelo trânsito de São Paulo. Circular é preciso, viver não é preciso. As ideologias responsáveis por políticas públicas mal feitas são capazes de matar. Em São Paulo, o trânsito mata mais do que a AIDS, conforme apurou recentemente o jornal Estado de São Paulo.
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Faz algum tempo que a amiga Gleice enviou a foto aqui publicada acompanhada do seguinte comentário:

"A gente corre, se acotovela, se atropela. E se pára um minuto para perceber a cidade dá de cara com a insanidade e a poesia. As mesmas linhas fazem desenhos diferentes e a luz dá ao caminho de todo dia novos tons - quando a gente deixa de correr contra o tempo e o aproveita sem deixar a vida escapar."

Espero revê-los por aqui. Até a semana que vem.