Bate-papo

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Ouvidos urbanos

foto: rtomazela

Eu pedi aos falantes alunos da oitava série que ficassem em silêncio por apenas um minuto. Do alto da Pedra Grande, no Parque da Cantareira, a paisagem da cidade de São Paulo perdia-se no horizonte. Estávamos ali, eu e os alunos, calados, sentados sob uma rocha granítica e rodeados pela mata atlântica. Uns olhavam desesperadamente o relógio, outros estavam com os olhos fechados quando, enfim, o minuto acabou. Então, o que vocês ouviram, perguntei a eles. A resposta da maioria foi enfática: nada!

O cantar dos pássaros, o sopro do vento chacoalhando as árvores não eram audíveis para a maioria dos alunos acostumada a perceber cotidianamente o barulho da cidade. Contei-lhes que era possível, inclusive, ouvir o ecoar distante da cidade, algo parecido com o som de uma geladeira, fruto da mistura dos barulhos urbanos. Curiosos, desta vez foram os alunos que tomaram a iniciativa da mudez. Ficaram ali, olhando fixamente a cidade, ouvindo sons roubados tão cedo e devolvidos por alguns instantes em outro lugar.

foto: thi prud

Sobre musseques e arranha-céus na paisagem de Luanda, capital de Angola


Havia onze anos desde o meu retorno de Luanda quando a sangrenta guerra civil angolana chegou ao fim com o assassinato de Jonas Savimbi, líder da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), ocorrido no dia 22 de fevereiro de 2002 na província de Moxico. Quando criança, fui testemunha dos vôos rasantes dos "MIG" russos sobre a cidade, dos mutilados pelas minas terrestres "zungando" pelas ruas e de outros fatos igualmente detestáveis que misturavam-se, contraditoriamente, com a simpatia do povo, com a rica cultura angolana, enfim, com o país encantador que inspirou as palavras de Agostinho Neto e Onjaki, entre outros escritores angolanos. Afinal, a guerra era um triste episódio no contexto de um lugar repleto de bons ensinamentos.

Com o término da extensa guerra civil, a paz, finalmente, seria algo tangível no cotidiano do povo angolano. Entretanto, o sangue derramado pelos conflitos bélicos deu lugar às mortes causadas pela perversidade do capital. Uma nova guerra iniciou-se nas ruas de Luanda e em outros pontos de Angola, desta vez motivada pelo crescente abandono dos empobrecidos, intensificado desde o fim da guerra fria e reforçado com a entrada maciça de capital estrangeiro, sob a égide de uma paz inventada para atrair investimentos privados e servir, sobretudo, à reprodução inconsequente do capital.

Enquanto a quase totalidade da população está condenada a viver em musseques miseráveis - casas precárias desprovidas de infraestruturas básicas - sem energia elétrica, carentes de saneamento básico, alimentação, saúde, enfim, destituídos das condições elementares de sobrevivência, arranha-céus são erguidos exaustivamente na vizinhança, evidenciando a expressiva quantidade de dinheiro em circulação no país.
O excelente blog Safú de Makela publicou recentemente uma análise sobre as críticas dirigidas pelo Jornal de Angola ao músico irlandês e ativista Bob Geldof após declarações deste denunciando as desigualdades sociais às quais o povo angolano está submetido enquanto uma parcela pífia da população desfruta de condições materiais sofisticadas.

O discurso que referenda a vizinhança entre musseques e arranha-céus é o mesmo utilizado nos demais países empobrecidos do mundo e, quiçá, provém dos mesmos grupos econômicos atuantes nestes. Os lugares são selecionados e apropriados pelo capital segundo uma lógica atroz, tão letal quanto as mais cruéis guerras armadas. Angola vive hoje uma guerra silenciosa, camuflada pelo discurso apaziguador das elites e fundada na globalização que está em curso no atual momento histórico. "Bwamoxi twondo banga ibaku ya mbote" - juntos, faremos criações boas - no idioma falado em boa parte dos musseques, no lugar onde reside a esperança da invenção de um outro mundo, de uma outra globalização, conforme nos ensinou Milton Santos.

Aglomeração de carros na Avenida dos Combatentes, em Luanda. Cada vez mais automóveis particulares ocupam as ruas da cidade, denunciando a crescente produção de riqueza vivenciada no país, em especial no pós-guerra civil angolana. O transporte público - vans azuis denomindas "candongas" - é precário e irregular.

Gentrificação

Foto: Thomas Hobbs
O que faz um edifício ser condenado ao abandono numa cidade onde faltam habitações para uma enorme e crescente parcela da população? O centro velho de São Paulo, onde está localizado este prédio, é o destino da gente que foi despejada nas periferias da cidade e que enfrenta 4 ou mais horas a bordo de um péssimo e caro transporte público para chegar ao trabalho. Além de distantes, estas periferias estão localizadas nas terras desinteressantes para o mercado imobiliário, isto é, nas planícies de inundação de rios que sofrem com sucessivos alagamentos ou em vertentes sujeitas a intensos processos erosivos. Enquanto isso, prédios desocupados povoam a paisagem do centro urbano e o Estado lança mão de políticas públicas de "revitalização", impedindo os empobrecidos de ocuparem estes edifícios e incentivando a instalação de grandes empresas e objetos de luxo no lugar. Pontes estaiadas, túneis e viadutos são construídos para dar fluidez aos carros ao passo que o transporte público, aquele mesmo que cumpre a função de levar a gente das periferias para o centro, torna-se cada vez mais lento. Está instalada, portanto, a política da gentrificação - aquela onde as pessoas são expulsas das áreas centrais em prol do capital privado - e os engarrafamentos dos carros surgem como tema novo quando, na verdade, os empobrecidos das periferias sofrem há décadas com a perversidade dos que planejam a cidade exclusivamente para atender aos interesses dos agentes sociais hegemônicos.

O bairro paulistano da Lapa

Foto: things.I.like.in.SP
Ao andar pelas ruas de um bairro é possível perceber na paisagem testemunhas de diversos tempos. O moderno terminal de ônibus ao lado de trilhos de trem que remetem ao começo da história do lugar, casas que colecionam algumas décadas avizinhando-se de prédios de vidro, ou, ainda, um antigo mercado municipal próximo a imponentes supermercados coloridos.

Apresentamos o bairro da Lapa, em São Paulo, através de um bom documentário produzido em 2005 por Henrique Rodriguez e Carla Monteiro. No filme, a história da vida dos habitantes mistura-se, através das lembranças, com a produção do bairro da Lapa. Os meandros do Rio Tietê e os trilhos da "São Paulo Railway" permeiam a história do lugar. O filme dura, aproximadamente, 10 minutos.
Foto: Elton Melo

Documentário: LAPA, SP