Bate-papo

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O barulho dos pássaros e o som dos helicópteros

Um, dois, três, quatro helicópteros sobrevoam o que antes era apenas uma tranqüila rua da zona norte da cidade de São Paulo. Um a um, os canais da televisão divulgam incansavelmente as imagens da rua vizinha. Cada vez mais gente chega e não apenas passa pela rua como antes; fica ali, parada, como espectadora dos mesmos acontecimentos que podem ser observados em tempo real por alguém que está a milhares de quilômetros dali, talvez em Manaus ou em Tóquio.

De repente, um lugar improvável pode ser condenado ao centro das atenções do mundo. Você, então, poderá despertar com o barulho de helicópteros , tomar café da manhã assistindo a sua vizinhança ao vivo na televisão e, se tiver sorte, aparecer em rede nacional saindo de casa para mais um dia de trabalho.

No caminho, durante os intervalos das reportagens veiculadas diretamente da sua vizinhança, o rádio anunciará os melhores trajetos a seguir para fugir dos engarrafamentos. Se preferir, há uma estação dedicada exclusivamente ao trânsito. Você pode, então, com a ajuda dos repórteres que observam a cidade do alto dos helicópteros, cortar caminho por aquela rua onde você costumava jogar bola quando criança, contornar a praça arborizada e imaginar como seria conveniente se ali fosse construída uma larga avenida, e, por fim, virar à esquerda e deparar-se com o próximo congestionamento. A sua vida não seria a mesma sem a ajuda dos helicópteros, certo? Claro, contanto que eles não incomodem o seu sono...

Finalmente, depois de algumas horas perdidas nas ruas da cidade, você chega ao seu local de trabalho. É hora de ligar o computador, pegar um café e concentrar-se para preparar aquele relatório que deve ser entregue ainda pela manhã. O cursor já está piscando insistentemente na tela branca do monitor, cada vez mais rápido, parecendo suplicar por algumas palavras, quando, ao toque das primeiras teclas, você é interrompido por um barulho ensurdecedor. A mesa treme, o café transborda, as idéias fogem, alguém grita "terremoto!" enquanto você observa no prédio ao lado um bacana chegar a bordo do seu helicóptero.

Um dia como esse não é incomum em São Paulo. Ao contrário do que acontece com o som dos pássaros, desde cedo os nossos ouvidos são acostumados ao barulho dos helicópteros que sobrevoam insistentemente a cidade em busca de fluidez para os bacanas e de sensacionalismo para os que não podem perder o horário do ônibus. A capital paulista tem a segunda maior frota de helicópteros do mundo, a maior parte dela nas mãos de pessoas físicas, ao contrário de Nova York, a primeira da lista, onde estas aeronaves são de empresas.

Estamos cada vez mais sujeitos a ter um heliponto como vizinho de janela. Os atuais prédios de vidro são construídos já com a perspectiva de receber estas aeronaves em seu topo como forma de atrair os agentes sociais hegemônicos para a compra dos seus caríssimos metros quadrados. Ganham-se tempo e dinheiro e exporta-se barulho para os que não têm a mesma sorte. A cidade que não tolera a favela - não pela inaceitável miséria, mas, lamentavelmente, pela suposta degradação da paisagem - é a mesma que aceita de boca calada o escândalo incômodo daqueles que desenham ao seu gosto o lugar.


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