Bate-papo

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Quando o discurso é mais alto que a cerca

Por quantas catracas você passa todos os dias? Faz pouco tempo que fiz esta pergunta em um dos textos do blog. No entanto, é preciso dizer que a ausência de catracas não implica em inexistência de restrições de acesso. O mesmo pode ser dito sobre os muros, cercas e grades que povoam a cidade. Um monumento ofuscado por grades de ferro ou uma flor cercada por arames entrelaçados são tão inacessíveis quanto uma praça sem bancos ou um shopping center com as suas portas abertas. No documentário "Encontro com Milton Santos: o mundo global visto do lado de cá", o diretor Sílvio Tendler, na prática do seu cinema de colagem, traz uma cena capaz de exemplificar o que quero dizer. Enquanto um grupo de turistas estrangeiros vai em busca do exótico numa das maiores favelas do Brasil, um outro grupo, formado por moradores da favela, vai passear pela primeira vez num shopping center. Ao passo que os primeiros adentram casas alheias e especulam sem constrangimentos sobre a vida dos moradores, os segundos sofrem preconceitos até mesmo no caminho para o shopping (assista o vídeo publicado aqui). Desde o elevador social até a segregação espacial que empurra os empobrecidos para as favelas, casos de discriminação ocorrem cotidianamente, muitas vezes sem a necessidade de muros, como no caso dos jovens da periferia de Curitiba impedidos de frequentar o shopping Palladium, como descreve esta reportagem. Cada vez mais, os obstáculos físicos tornam-se obsoletos frente ao discurso dos sujeitos sociais hegemônicos.
Trecho do filme Encontro com Milton Santos
Duração aprox.: 3 min