Bate-papo

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A morte de um lugar


Tão inerte quanto as árvores da rua é este carro. As estações do ano vem e vão, os guapuruvus florescem e colorem a rua com flores amarelas e ele permanece ali, estagnado, sujeito às intempéries. Nas estiagens, os vidros empoeirados estampam desde declarações de amor a desabafos enfurecidos. Faz algumas semanas que um dos faróis dianteiros aparaceu quebrado. Fora esta pobre rotina, nada aconteceu com o carro desde que moro nesta rua, há cerca de quatro anos. Jamais vi alguém ligar o motor, aproximar-se sequer, tampouco reclamar do seu abandono. Afinal, há quantos anos este carro está esquecido neste lugar? Fiz esta pergunta a funcionários e moradores mais antigos e descobri que o velho Santana faz parte da paisagem há mais de dez anos! O curioso é que ele só é notado pelos moradores quando falta vaga para estacionar na rua, que costuma ser movimentada durante a semana. Fora esta situação, ninguém se incomoda com tamanho descaso. Nas manhãs durante as primaveras, com a rua pintada de amarelo, o andar apressado é o mesmo. Os guapuruvus, assim como o carro abandonado, estão no lugar da passagem, do desencontro. Tanto faz, portanto, se alguém decide se apropriar de um espaço público ou se os guapuruvus amanhecessem tombados. O lugar enquanto espaço da vida tem no velho Santana abandonado a sua lápide.

As cactáceas e a história de um lugar


A paisagem é característica do polígono das secas brasileiro, porém, trata-se da região de Itu, situada nos limites entre o Planalto Atlântico e a Depressão Periférica do estado de São Paulo, próxima à capital paulista. Cenários bizarros como este poderiam ser encontrados, também, em outras regiões do Brasil, como nas paredes do Pão de Açúcar (Rio de Janeiro) e até mesmo na Amazônia Central e no entorno do Pantanal Mato-grossense. São lugares que contam a história das condições físicas do passado, entre 23000 e 13000 anos antes do presente, quando o nível do mar estava a menos 100 metros que hoje e a fachada atlântica do Sul e Sudeste, banhada na época por correntes frias, sofreu um período de menos calor e maior semi-aridez, conforme explicou o geógrafo Aziz Ab´Sáber. Esta fantástica ampliação dos climas secos fez com que faixas de florestas permanecessem e se fragmentassem enquanto caatingas se estendiam. Formaram-se, então, os redutos de cactáceas que podem ser constatados hoje em subespaços extra-sertanejos. Estes lugares extraordinários, de grande importância científica, onde ocorrem cactos por entre matacões - rochas que afloram na superfície - são exceções paisagísticas que, muitas vezes, carecem de atenção e conservação.