A morte de um lugar


Tão inerte quanto as árvores da rua é este carro. As estações do ano vem e vão, os guapuruvus florescem e colorem a rua com flores amarelas e ele permanece ali, estagnado, sujeito às intempéries. Nas estiagens, os vidros empoeirados estampam desde declarações de amor a desabafos enfurecidos. Faz algumas semanas que um dos faróis dianteiros aparaceu quebrado. Fora esta pobre rotina, nada aconteceu com o carro desde que moro nesta rua, há cerca de quatro anos. Jamais vi alguém ligar o motor, aproximar-se sequer, tampouco reclamar do seu abandono. Afinal, há quantos anos este carro está esquecido neste lugar? Fiz esta pergunta a funcionários e moradores mais antigos e descobri que o velho Santana faz parte da paisagem há mais de dez anos! O curioso é que ele só é notado pelos moradores quando falta vaga para estacionar na rua, que costuma ser movimentada durante a semana. Fora esta situação, ninguém se incomoda com tamanho descaso. Nas manhãs durante as primaveras, com a rua pintada de amarelo, o andar apressado é o mesmo. Os guapuruvus, assim como o carro abandonado, estão no lugar da passagem, do desencontro. Tanto faz, portanto, se alguém decide se apropriar de um espaço público ou se os guapuruvus amanhecessem tombados. O lugar enquanto espaço da vida tem no velho Santana abandonado a sua lápide.