Bate-papo
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Foto: Fulvio B. P. Machado
Cada vez mais lugares são invadidos pelo processo de desertificação verde causado pela insensatez das compulsivas exportações de commodities a preços módicos. As culturas de cana-de-açúcar e eucalipto são os principais emblemas da violência do poder privado no campo brasileiro, pois, além de causarem diversos desastres naturais, estas plantações, em especial a de cana, abrigam a maior parte do trabalho escravo no país, segundo recente pesquisa da Comissão Pastoral da Terra. Enquanto isso, a produção de etanol é comemorada pelo Estado brasileiro como um grande avanço no sentido de proporcionar a fabricação de biocombustíveis menos poluentes e socialmente mais justos. O discurso é construído para justificar o avanço irresponsável da cana-de-açúcar sobre os solos mais férteis do país, como a terra roxa, e, também, em direção aos resquícios dos biomas ainda conservados do país. O mesmo ocorre com as plantações de eucalipto, que devastam as florestas tropicais e apropriam-se de extensas áreas, impossibilitando a diversidade de outras formas de vida nestes ambientes. Incentiva-se a produção de etanol para movimentar as insustentáveis frotas de veículos particulares que tornam a vida nas grandes cidades quase impraticável. Em suma, as ações hegemônicas engendradas nos grandes centros urbanos determinam os usos que ocorrem no espaço agrário brasileiro e, assim, os lugares são produzidos sob uma lógica imposta, alheia à principal finalidade da terra como celeiro da vida, marginalizando, portanto, aqueles que insistem em produzir o alimento que chega às nossas mesas.
Foto: Roberto Vinicius
Trabalhadores rurais manifestam o seu descontentamento com relação ao avanço gradual das plantações de eucalipto que se apropriam das áreas que seriam melhor aproveitadas para a produção de alimentos. Esta cultura é responsável por dizimar a biodiversidade das áreas antes florestadas e recebe, absurdamente, a denominação de "reflorestamento".
O cruzamento dos fios denuncia o emaranhar dos lugares que, cada vez mais, estão conectados uns aos outros. O apertar do interruptor de luz é capaz de gerar impactos em lugares longínquos. A energia elétrica permite acessar outros lugares por meio da televisão e do computador. As palavras deste blog perdem-se na imensidão de uma rede de computadores e podem ser lidas em diferentes partes do mundo. Os mais diversos fluxos de pessoas, mercadorias, dinheiro, enfim, formam redes articuladas, verdadeiras constelações de pontos ligados entre si, numa teia global de ações humanas. Contudo, há lugares onde estas redes insistem em não chegar. No Brasil, mesmo no estado mais rico da federação, São Paulo, há pedaços do território desprovidos de energia elétrica, estradas, telefone, saneamento básico, educação, ou seja, lugares desligados do mundo, espaços opacos. Nestes lugares, onde os fios que se cruzam são apenas os de varais, vive uma população bem maior do que a da cidade de São Paulo. Apenas os que não têm luz em casa somam mais de 12 milhões de brasileiros, segundo o IBGE (2000). É evidente, portanto, que a tal globalização inclui lugares selecionados enquanto exclui perversamente os demais. Enquanto isso, uma outra rede, a dos excluídos, vai sendo arquitetada a partir dos interstícios e, com ela, nasce uma outra globalização fundamentada na força dos lugares marginalizados.
Foto: Jair Ribbeiro
Campo de futebol do bairro do Tucuruvi, na cidade de São Paulo, na década de 1960, onde hoje encontra-se a estação Tucuruvi do metrô. Acervo de Alfredo Dias Jr.
O campinho de futebol deu lugar a um edifício de treze andares e, assim, o tradicional jogo das tardes de domingo deixou de ser. Havia tantos times, todos devidamente uniformizados, que foi preciso organizar um campeonato entre as ruas do bairro. Do barranco na lateral do campo assistia-se a partida enquanto discutia-se o cotidiano do lugar. Desde a morte do campinho, o bar da esquina assumiu o papel de ponto de encontro, com a desvantagem que ali é preciso gastar algum dinheiro para poder conversar com os amigos e assistir a partida de futebol na televisão. Alguns ainda aparecem com os antigos uniformes dos times de futebol das ruas, tentanto, talvez, preservar alguma rivalidade. Porém, já são muitos aqueles que ostentam as camisas dos clubes de futebol que duelam em jogos televisionados nas tardes de domingo. Quando o dinheiro dá, a turma toda vai até o Pacaembu ver alguma partida. Outras vezes, faz uma vaquinha para alugar alguma quadra de cimento durante uma hora. Porém, na maior parte do tempo eles ficam ali, sentados ao redor da mesa de ferro do bar, saudosistas, bebendo cerveja e falando sobre as antigas partidas de futebol que aconteciam no campinho do bairro. Assim, vão envelhecendo as testemunhas de um outro lugar que existiu no bairro do presente.
A foto de autoria de Cassimano evidencia como os lugares são selecionados na cidade, produzindo o espaço. Já tratamos brevemente sobre isto no "post" sobre gentrificação. Há quem aplauda aqueles que moram bem às custas dos que são condenados a viver em lugares propensos a inundações, erosões e, se não bastasse, desprovidos de infra-estruturas urbanas elementares. Enquanto o morador do prédio reclama da rua esburacada, o habitante da favela queixa-se, inutilmente, da falta de pavimentação no bairro todo. A perversidade produz os lugares e, assim, quando a favela ocupar o lugar provável da reprodução do capital, os seus respectivos habitantes serão expulsos pelo Estado e ali serão erguidos edifícios e contruídas ruas pavimentadas, distribuição de água tratada, enfim, tudo aquilo que era negado àqueles que, contraditoriamente , são recrutados para trabalhar na construção destes novos lugares e habitam os territórios ainda desinteressantes ao mercado imobiliário.