Sobre musseques e arranha-céus na paisagem de Luanda, capital de Angola


Havia onze anos desde o meu retorno de Luanda quando a sangrenta guerra civil angolana chegou ao fim com o assassinato de Jonas Savimbi, líder da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), ocorrido no dia 22 de fevereiro de 2002 na província de Moxico. Quando criança, fui testemunha dos vôos rasantes dos "MIG" russos sobre a cidade, dos mutilados pelas minas terrestres "zungando" pelas ruas e de outros fatos igualmente detestáveis que misturavam-se, contraditoriamente, com a simpatia do povo, com a rica cultura angolana, enfim, com o país encantador que inspirou as palavras de Agostinho Neto e Onjaki, entre outros escritores angolanos. Afinal, a guerra era um triste episódio no contexto de um lugar repleto de bons ensinamentos.

Com o término da extensa guerra civil, a paz, finalmente, seria algo tangível no cotidiano do povo angolano. Entretanto, o sangue derramado pelos conflitos bélicos deu lugar às mortes causadas pela perversidade do capital. Uma nova guerra iniciou-se nas ruas de Luanda e em outros pontos de Angola, desta vez motivada pelo crescente abandono dos empobrecidos, intensificado desde o fim da guerra fria e reforçado com a entrada maciça de capital estrangeiro, sob a égide de uma paz inventada para atrair investimentos privados e servir, sobretudo, à reprodução inconsequente do capital.

Enquanto a quase totalidade da população está condenada a viver em musseques miseráveis - casas precárias desprovidas de infraestruturas básicas - sem energia elétrica, carentes de saneamento básico, alimentação, saúde, enfim, destituídos das condições elementares de sobrevivência, arranha-céus são erguidos exaustivamente na vizinhança, evidenciando a expressiva quantidade de dinheiro em circulação no país.
O excelente blog Safú de Makela publicou recentemente uma análise sobre as críticas dirigidas pelo Jornal de Angola ao músico irlandês e ativista Bob Geldof após declarações deste denunciando as desigualdades sociais às quais o povo angolano está submetido enquanto uma parcela pífia da população desfruta de condições materiais sofisticadas.

O discurso que referenda a vizinhança entre musseques e arranha-céus é o mesmo utilizado nos demais países empobrecidos do mundo e, quiçá, provém dos mesmos grupos econômicos atuantes nestes. Os lugares são selecionados e apropriados pelo capital segundo uma lógica atroz, tão letal quanto as mais cruéis guerras armadas. Angola vive hoje uma guerra silenciosa, camuflada pelo discurso apaziguador das elites e fundada na globalização que está em curso no atual momento histórico. "Bwamoxi twondo banga ibaku ya mbote" - juntos, faremos criações boas - no idioma falado em boa parte dos musseques, no lugar onde reside a esperança da invenção de um outro mundo, de uma outra globalização, conforme nos ensinou Milton Santos.

Aglomeração de carros na Avenida dos Combatentes, em Luanda. Cada vez mais automóveis particulares ocupam as ruas da cidade, denunciando a crescente produção de riqueza vivenciada no país, em especial no pós-guerra civil angolana. O transporte público - vans azuis denomindas "candongas" - é precário e irregular.